Nem tudo o que está na convenção pode ser aplicado

Nem tudo o que está na convenção pode ser aplicado

Nem tudo o que está na convenção pode ser aplicado

*Por Ericka Danyelle de Lacerda Lima Corrêa da Costa

No dia a dia dos condomínios edilícios, nem sempre a Convenção está em conformidade com a legislação vigente ou acompanha o entendimento atual do ordenamento jurídico, havendo diversos motivos que podem torná-la inaplicável, por motivo de omissão, normas conflitantes ou quando se torna obsoleta após a entrada em vigor de uma nova lei que estabeleça normas incompatíveis com o seu uso.

Vale mencionar que em nosso país, o direito condominial deve ser aplicado em observância à ordem hierárquica de normas que regem o universo dos condomínios edilícios, que inicia com a Constituição Federal, seguida pelo atual Código Civil – Lei 10.406/2002, a Lei dos Condomínios  – Lei 4.591/1964 cujos dispositivos que não foram derrogados pelo atual Código Civil ainda permanecem em vigor, a Lei do Inquilinato – Lei 8.245/1991, as Leis estaduais, Leis municipais, a Convenção e o Regimento Interno que são as regras internas do condomínio, as leis especiais, regulamentos e portarias, dentre outras disposições que também forem aplicáveis aos condomínios.

Em algumas hipóteses, é necessário readequar o comportamento dos moradores e a conduta do síndico à nova lei que entra em vigor, como é o caso da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais nº 13.709/2018, cujas regras ainda vem se adequando ao dia a dia dos condomínios edilícios desde a sua entrada em vigor, quando os dados pessoais dos condôminos e terceiros passaram a ser protegidos para preservar a privacidade, a inviolabilidade da intimidade, a honra e a imagem das pessoas e no condomínio edilício.

Na prática, a observância à LGPD alterou a conduta da gestão condominial, que muitas vezes necessita negar os pedidos dos condôminos para a proteção de dados pessoais, como ocorre no exemplo do acesso às imagens das câmeras de segurança.

Existem também situações em que a solução do conflito está subordinada ao cumprimento de uma ordem judicial ou de autoridade policial, como é o caso da imposição de medida protetiva para preservar a integridade física da mulher, por força da lei Maria da Penha. Na hipótese, se o marido ou companheiro agressor de uma condômina for proprietário do apartamento localizado no condomínio que é a residência do casal, ainda que o direito de propriedade do agressor seja protegido por força do artigo 5º, XXII da Constituição Federal, a ordem judicial se tornará de cumprimento obrigatório e prevalecerá sobre qualquer lei inclusive a convenção que é a norma interna do condomínio, impondo ao síndico o dever de cumprir a ordem da autoridade Judicial ou Policial, para impedir a sua entrada no condomínio, implementando o afastamento do agressor.

Outro tema polêmico que se tornou comum até formar um entendimento consolidado pelo ordenamento jurídico pátrio, refere-se à proibição de animais domésticos nos condomínios edilícios, ensejando a inaplicabilidade prática de várias convenções que proíbem seus moradores de criar animais domésticos nos apartamentos, tratando-se de questão que ainda gera controvérsias de entendimentos, valendo mencionar que se encontra em trâmite perante a Assembleia Legislativa do Espírito Santo o Projeto de lei nº 517/2024, que visa regulamentar o trânsito de animais domésticos nos condomínios edilícios em nosso estado, para que sejam retiradas as restrições de acesso dos animais domésticos nas áreas comuns dos condomínios edilícios.

Frisa-se que se trata de um projeto de lei que ainda está sendo discutido pelo Poder Legislativo Estadual e pode ser vetado, mas se for aprovado e se tornar uma lei estadual, poderá criar inúmeros conflitos nos condomínios edilícios localizados no Espírito Santo, pois sua redação deixou de considerar a Convenção como norma aprovada para reger cada condomínio, conforme as necessidades específicas de seus moradores que variam para cada tipo de edificação.

Vale relembrar, que os animais domésticos que residem em condomínios edilícios também estão sujeitos aos mesmos padrões de comportamento de seus donos, que devem atender à preservação da boa convivência entre vizinhos, o sossego, saúde, paz, segurança e a integridade física dos moradores de condomínios edilícios. Sendo assim, de modo semelhante a seus donos que podem até ser expulsos do condomínio se não cessarem o comportamento antissocial que estiver violando as normas da convenção, o não cumprimento da convenção das normas aplicadas aos animais de estimação ensejará impedimento para a moradia do animal que estiver causando perturbação do sossego dos vizinhos, ocasião em que o dono deverá providenciar sua retirada do Condomínio.

Por fim, para resolver inúmeros problemas que ocorrem rotineiramente nos condomínios edilícios, é recomendado aos síndicos em caso de dúvida quando a questão versar sobre conflitos de normas ou a mudança de entendimento do ordenamento jurídico, analisar cada situação conforme a força de cada bem jurídico tutelado e sempre observar a função social da moradia, os padrões do direito coletivo e as regras de convívio harmônico da vizinhança para aplicar a solução do conflito a cada caso e atualizar a convenção do condomínio.

*Ericka Danyelle de Lacerda Lima Corrêa da Costa

  • Graduada em Direito pela Universidade Vila Velha-UVV.
  • Advogada atuante com ênfase nas áreas de Direito Condominial e Imobiliário. Atua também nas áreas cível, previdenciária e trabalhista.
  • Membro da ANACON.
  • Membro do Instituto dos Advogados Capixabas.
  • Sócia proprietária da Corrêa da Costa & Sarmento Advogadas Associadas.
  • Coautora da obra: DESAFIOS JURÍDICOS E APLICAÇOES PRÁTICAS – OAB/Espírito Santo, São Paulo: LEUD,2024.
  • Secretária geral da Comissão de Direito Condominial da OAB/ES 2023/2024.
  • Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB 8ª Subseção de Vila Velha/ES 2022/2024.

Imagem: Freepik

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