Morador pode ter que indenizar aquele vizinho de quem ele reclama diariamente
Morador pode ter que indenizar aquele vizinho de quem ele reclama diariamente:
Abuso do Direito de Reclamar
*Por Claudia Maria Scalzer
Viver em condomínio requer tolerância. Condomínio é uma comunidade e é preciso que todos entendam que todos possuem direitos. Campeão de reclamação é o barulho. Barulho da máquina de lavar, do liquidificador, do salto alto, da televisão, da descarga, crianças correndo etc. Com a pandemia, é fato que as pessoas passaram mais tempo em casa, o trabalho home office passou a ser mais utilizado e os barulhos cotidianos acabam por se intensificar. É preciso, contudo, distinguir, com bom senso, aquilo que seria inapropriado do que seria cotidiano. É preciso procurar conhecer seu vizinho.
É crime perturbar o sossego do vizinho
Indubitavelmente, o barulho é o campeão dos desentendimentos entre os vizinhos. De acordo com a LCP, a Lei de Contravenções Penais, no seu artigo 42, é crime perturbar o trabalho ou o sossego alheio utilizando-se, dentre outros, de gritaria e algazarra, com o abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos. Vale destacar que não existe um horário determinado para que qualquer pessoa perturbe o sossego alheio, incomodando vizinhos.
O ilustre jurista Waldir Arruda Miranda Carneiro, em sua brilhante obra “Perturbações Sonoras Nas Edificações Urbanas”, corrobora que “… pela contigüidade das unidades autônomas, a medida de tolerância para os ruídos, nos edifícios de apartamentos, deve ser mais restrita que a decorrente das obrigações normais de vizinhança, pois, do contrário, restaria inviável a vida em apartamentos.” Cabe ao vizinho incomodado fazer prova do seu alegado para que seja possível aplicar as sanções previstas nos artigos 1.277, 1.336 e 1.337 do Código Civil, que protegem o direito ao sossego, à saúde e à segurança, sendo certo que o barulho prejudica a atividade laboral, os estudos e o descanso, ocasionando danos à saúde.
Reclamações desproporcionais, ausência de perturbação e o dano moral
Sem dúvida que ruídos intermitentes como o arrastar de móveis, o velocípede da criança, o salto alto do sapato, o som alto, o latir do cão, etc, gritos, incomodam e justificam a adoção de providências por parte do condomínio a fim de cessá-los imediatamente. Mas, há situações de pessoas que reclamam imotivadamente, não suportam sequer sons cotidianos do condomínio, choro de recém-nascidos, latidos não intermitentes, uma televisão ligada a pouco tempo, um vizinho com problemas com o filho autista, dentre outros exemplos.
Há pessoas que não suportam poucos segundos de som, que se incomodam com um mínimo latido, uma abertura de porta de apartamento, som de uma descarga. Não levam em consideração que são ruídos do cotidiano e que nem sempre a acústica do imóvel será suficiente para suplantar pequenos ruídos. Conviver com esses vizinhos também é um grande desafio. Tolerância é a palavra de ordem.
É muito importante provar que os barulhos são intermitentes e causam incômodo, caso contrário, passará ficar evidenciada a postura antissocial do morador que desproporcional e desarrazoadamente reclama, podendo vir a ter como consequência uma condenação por danos morais, podendo incorrer ainda nas penalidades do inciso IV, do Art. 1.336, da Lei 10.406/02, caso opte por usar o Livro de Ocorrências do Condomínio em que ao registrar as ocorrências de barulho sem qualquer prova, de forma insistente, pode acabar denegrindo a imagem e a honra subjetiva do morador perante toda comunidade condominial, estando sujeito a uma possível demanda judicial movida por seu vizinho, sem prejuízo de possíveis penalidades previstas nos Estatutos Condominiais.
Todo morador tem o direito de manifestar insatisfações em relação ao condomínio, seja sobre a administração, seja sobre a violação dos Estatutos condominiais por seus vizinhos e terceiros, pelos prestadores de serviço. É direito legalmente protegido. Entretanto, deve fazê-lo de forma construtiva e, sobretudo com provas, especialmente, porque seu direito não é absoluto. Quando um morador faz reclamações frequentes, repetitivas e sem fundamento robusto e, sobretudo, sem provas, isso pode ser considerado um abuso desse direito. O Código Civil Brasileiro, dispõe em seu artigo 187, que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Citando o Filósofo Aristóteles, em sua obra, Ética a Nicômacos, “Um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando e preferindo o meio termo – o meio termo não em relação ao próprio objeto, mas em relação a nós”, ou seja, o condômino deve ter em mente que está cometendo abuso do direito sempre que forem desrespeitados os limites impostos pela regra jurídica do art. 187, do Código Civil, independentemente da prova da sua intenção ou da sua própria consciência de que se excedem os limites do seu direito, porque ele simplesmente, pela boa fé, não deve excedê-los, sob pena de ser responsabilizado.
*Claudia Maria Scalzer
Advogada OAB/ES 7.385
Membro da Comissão de Direito Condominial da OAB/ES 2023/2024
Professora Universitária
Proprietária do Escritório de Advocacia SCALZER Advocacia Condominial
Advocacia Especializada em Condomínio há mais 15 anos
Email: claudia@scalzeradvogados.com.br
Instagram:@scalzer_advocaciacondominial
Site:https://cotidianocondomini.wixsite.com/cotidianocondominial
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