A responsabilidade pelos débitos condominiais nos casos de alienação fiduciária

A responsabilidade pelos débitos condominiais nos casos de alienação fiduciária

*Por Dr. Thiago Muniz de Lima

Inicialmente, cumpre destacar que, no que tange aos contratos de alienação fiduciária, regidos pela lei nº 9.514/1997, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firme no sentido de que a responsabilidade pelo débito condominial é do devedor fiduciante, ocorrendo a transmissão dessa responsabilidade ao credor fiduciário “(…) quando da consolidação de sua propriedade plena quanto ao bem dado em garantia, ou seja, quando de sua imissão na posse do imóvel” (REsp nº 1.731.735/SP).

De uma maneira geral, a obrigação de adimplir as quotas condominiais se trata de obrigação propter rem, pois em tal tipo de obrigação há vinculação a um direito real, isto é, no caso, a determinado imóvel de que o devedor é proprietário ou possuidor. Em outras palavras, a obrigação prende o titular de um direito real, seja ele quem for, em virtude de sua condição de proprietário ou possuidor, nos termos do artigo 1345 do Código Civil.

Com efeito, nunca é demais ressaltar que nas obrigações propter rem é indissociável o dever jurídico do direito real relacionado, a ponto de existir a possibilidade de exoneração do devedor pelo abandono do direito real, ou seja, o nascimento, a transmissão e a extinção da obrigação propter rem seguem o direito real, com uma vinculação de acessoriedade.

O sentido da regra em comento é, por certo, fazer prevalecer o interesse da coletividade, permitindo que o condomínio receba, a despeito da transferência de titularidade do direito real sobre o imóvel, as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum, impondo ao adquirente, para tanto, a responsabilidade, inclusive, pelas cotas condominiais vencidas em período anterior à aquisição.

Passando a examinar especificamente as situações regidas pela lei nº 9.514/1997, tem-se que tais hipóteses não descaracterizam a natureza propter rem dos débitos condominiais, já que inexiste previsão legal de perda da natureza propter rem, bem como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado, de maneira sólida, acerca da existência da natureza propter rem nesses casos, como se vê abaixo:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONDOMÍNIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. IMÓVEL. PAGAMENTO. RESPONSABILIDADE. DESPESAS CONDOMINIAIS. DEVEDOR FIDUCIANTE. POSSE DIRETA. ART. 27, § 8º, DA LEI Nº 9.514/1997. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o credor fiduciário, no contrato de alienação fiduciária em garantia de bem imóvel, tem responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais juntamente com o devedor fiduciante. 3. Nos contratos de alienação fiduciária em garantia de bem imóvel, a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais recai sobre o devedor fiduciante enquanto estiver na posse direta do imóvel. 4. O credor fiduciário somente responde pelas dívidas condominiais incidentes sobre o imóvel se consolidar a propriedade para si, tornando-se o possuidor direto do bem. 5. Com a utilização da garantia, o credor fiduciário receberá o imóvel no estado em que se encontra, até mesmo com os débitos condominiais anteriores, pois são obrigações de caráter propter rem (por causa da coisa). 6. Na hipótese, o credor fiduciário não pode responder pelo pagamento das despesas condominiais por não ter a posse direta do imóvel, devendo, em relação a ele, ser julgado improcedente o pedido. 7. Recurso especial provido. (REsp 1696038/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/08/2018, DJe 03/09/2018)

No mesmo sentido o REsp 1.802.572/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJ 01/07/2019; e o AREsp 1.136.831/RJ, Rel Ministro RAUL ARAÚJO, DJ 27/02/2019.

Assim, resta inegável que o débito condominial caberá ao credor fiduciário se este consolidar a propriedade para si, situação em que recebe imediatamente o imóvel no estado em que se encontra, até mesmo com os débitos condominiais anteriores, pois são obrigações de caráter propter rem (por causa da coisa).

Entendimento diverso do adotado pelo Superior Tribunal de Justiça e demais tribunais pátrios conduz a uma situação fática e juridicamente descabida, porquanto obriga ao condomínio a cobrar o débito condominial de ex-devedor fiduciante, insolvente e que perdeu qualquer direito sobre o imóvel em razão da consolidação da propriedade, prejudicando a coletividade dos moradores, eis que as despesas comuns continuam incidindo, e o rateio das mesmas resta manifestamente prejudicado, ante a grande dificuldade ou, até mesmo, a impossibilidade de se receber o crédito em questão do ex-devedor fiduciário. Não bastando, o executado, credor fiduciário, além de receber o imóvel alienado, se vê isento da responsabilidade que é inerente ao referido imóvel – o que é inadmissível, segundo o ordenamento jurídico e o entendimento de nossos tribunais.

Ante ao problema acima enunciado, bem como ante ao entendimento adotado em nossos tribunais, se percebe, portanto, que a jurisprudência é sensível a interpretação das normas aplicáveis à espécie de modo a equacionar os interesses em conflito, porque, após a consolidação da propriedade, passa o credor fiduciário a exercer imediatamente todos os direitos e, necessariamente, todas as obrigações que recaiam sobre o imóvel, dentre elas os débitos condominiais e sua natureza propter rem.

(*) Dr. Thiago Muniz de Lima

Advogado, sócio nominal na firma Mello e Muniz Advogados e Associados, com longa experiência na assessoria condominial e imobiliária, também militante nas áreas Civil e Empresarial. Mestre em Processo Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo, professor universitário com mais de 10 anos de docência, nas mais renomadas faculdades do estado do Espírito Santo.

Compartilhar: